Teatro musical: um final feliz

Conto de fada ou um terror a la Tarantino?

O sinal toca três vezes. Na terceira as luzes apagam. O silêncio reina na plateia e as cortinas, vermelhas, se abrem. Começou. Não há forma alguma de voltar atrás. O espetáculo iniciou e um mundo de maravilhas será apresentado. Basta ficar atento e não deixar nenhum detalhe passar. Esse é o início de um teatro musical. Ou pelo menos acreditamos que seja.

Após as grandes peças que passaram pelo Brasil, tais como Os Miseráveis, O Fantasma da Ópera e My Fair Lady, a curiosidade da população aumenta cada vez mais para conhecer, entender e, aos poucos, apaixonar-se pelas peças encenadas. Para entender um pouco melhor sobre esse movimento, entrevistei a estudante Anna Carolina, 19 anos.

Sua trajetória no mundo teatral destaca-se por seu conhecimento adquirido ao longo de dois anos de estudos intensivos, participações em peças e sua paixão ao falar e explicar as mais variadas questões sobre o teatro musical.

No início de nosso papo, logo indaguei “o que é um teatro musical? ”, no qual ela me respondeu sem rodeios “um teatro que tem suas falas substituídas completamente ou parcialmente por músicas”. Começamos a conversar sobre alguns tópicos como, por exemplo, o porquê de o teatro musical não atingir todas as classes sociais. Em sua resposta, o motivo ficou claro: preços e falta conhecimento histórico por parte do público para entender as peças.

Durante sua explicação, destaca que o teatro musical existe há muito tempo no Brasil, e que o país é comumente denominado como o terceiro maior no ranking de produções musicais, perdendo apenas para Londres (West End) e Nova Iorque (Broadway), porém, esse mantra, na verdade, é nascido de uma publicação do Meio e Mensagem em 2012. Complementa, então, que não existem dados comprobatórios, nem qualquer estudo que já tenha analisado tal fato. Em seguida, pudemos destacar alguns pontos que prejudicam a participação de uma maior parcela da população nas encenações. As camadas sociais que são almejadas para estarem presentes como espectadores nesses espetáculos são restritas, tais como classes A e B. Portanto, a divulgação falha e, em muitos casos, pelo fato de o background histórico necessário para a compreensão da peça não ter sido ensinado para o espectador mais pobre, o teatro musical torna-se um espetáculo para a elite e de difícil acesso à população mais carente de recursos.

Algumas iniciativas tentam trazer esse tipo de peça para mais perto do público, tais como a FIESP que oferece, regularmente, espetáculos produzidos por grandes nomes do teatro com entradas gratuitas, mediante retirada de ingressos antecipadamente. Apesar de revolucionária, a iniciativa da FIESP também demonstra um problema: restrição. A população menos abastada continua em desvantagem quando colocamos ter acesso à internet e mobilidade como pré-requisitos para a retirada de um ingresso gratuito. Não por isso, a peça ainda conta com o fato de ficar pouco tempo em cartaz e com uma capacidade de plateia pequena. Em suma, a condição social de uma cidade está diretamente conectada às condições de acesso à cultura.

Após falarmos sobre as questões de acessibilidade e difusão do teatro musical, a questionei se as aulas de teatro que são ministradas a nível de colégio, no ensino fundamental, impactam de alguma forma na vida cultural da criança que, futuramente, será um adulto formado e proprietário de seu conteúdo adquirido através das produções apresentadas nas salas de espetáculos e de todo a mídia consumida em seu dia a dia. Anna, então, afirma que as aulas no colégio são fundamentais para realizar uma integração social, estimular a criatividade, o contato social e o desenvolvimento cognitivo podendo, assim, atender às necessidades do adolescente, mas que não atribui, em nada, um conhecimento sobre o teatro de fato.

Por fim, questiono sobre o futuro desse tipo de produção no Brasil. Sua resposta é simples: tende a crescer. A formação de atores e atrizes está aumentando, assim como as suas especializações, pois a demanda cresceu e a oferta também. Em sua visão, quanto mais musicais grandes, maior a possibilidade de auxiliar na educação cultural da população ao prover contato entre a produção e os espectadores. Os preços? Uma barreira difícil, porém, passível de mudanças e melhorias. A dificuldade na obtenção de patrocínio ainda é um grande empecilho para as montagens vindouras, mas aos poucos, quem sabe, o sistema de arrecadação receba algum apoio ou, até mesmo, adote um novo modelo de negócio para prosseguir e aumentar cada vez mais. Produções maiores demandam investimentos maiores, por isso, só nos resta esperar por um final feliz.

Um pouco de história

Com seus primórdios oriundos de 1728, o teatro musical é uma trama inigualável. John Gay, que apesar do nome em nada se refere à homossexualidade até o momento da publicação dessa matéria, foi um dos primeiros a compor uma peça de teatro que agregasse características do que mais tarde seria denominado teatro musical, ou mais popularmente conhecido como apenas “musical”. Podemos considerar que Gay iniciou o período de transição, pois as operettas francesas e as vienenses do século XVIII são de fato uma das raízes do gênero. Esse é um bom momento para destacarmos que as primeiras peças a alcançarem sucesso internacionalmente foram às obras satíricas de Jaques Offenbach e as comédias românticas de Johann Strauss II.

Até 1927, as peças seguintes consideradas musicais foram, em grande parte, variações do Vaudeville (duas vertentes discutem sobre a origem dessa palavra: uma defende que é originária de “voix de ville”, uma gíria francesa para “canção da cidade”, enquanto que outros afirmam que vem de “vaux de vir”, nome alusivo a um gênero de canções satíricas muito populares no final do século XV no Vale de Vira, Normandia).

A grande revolução deu-se no ano de 1927: era lançado o Show Boat. Espetáculo de Hammerstein e Kern, este nos proporcionou a possibilidade de diferencia teatro musical de comédia musical. A diferenciação tornou-se bem clara: um tinha a história como o norte, enquanto que a outra se preocupava com o entretenimento infindável.

O teatro musical tinha a história como o seu norte, fundamenta para o desenvolvimento. Ao compararmos com a teoria heliocêntrica o sol e a história e todos os acontecimentos adjacentes são os planetas. Sem sol, todos morreriam. Além disso, a história estava intimamente conectada a literatura, ora profunda e intelectual na alta sociedade, e a história dos países, pois retratava situações dramáticas.

Por outro lado, a comédia musical contrapunha-se ao teatro musical, tornando a história o último quesito relevante em suas apresentações, mas sim, priorizava o entretenimento acima de tudo. Não importava a veracidade, a ficção, a obra artística ou a intelectualidade, mas sim, apenas o prazer por ele próprio, tratava-se de um verdadeiro espetáculo hedonista e, por muitas vezes, estigmatizado em certos grupos sociais – pelo menos quando tratado publicamente.

Durante o século XIX, a Broadway veio com toda a sua majestade e dominou o mercado ocidental. Tornou-se referência para todos os países americanos e alguns europeus, pois suas danças e canções conquistavam a todos. Entretanto, não podemos deixar a Europa de fora, principalmente a Inglaterra, pois lá surgiram musicais que se eternizaram e serão apresentados às gerações futuras, tais como: Cats, O Fantasma da Ópera e Os Miseráveis. Com o passar dos anos, não somente as histórias, mas também as produções, tornaram-se cada vez mais glamorosas e trabalhadas, desde o fio de cabelo do contrarregra até o mais belo cenário apresentado em uma performance.