A vida perdida em um instante
- 17/05/2017 às 22:00
- Gabriel Henrique
Influenciado por sua mãe, Sérgio de Lima Técnico em Eletrotécnica trabalhou durante 23 anos de sua vida na Light (Atual Eletropaulo) e retrata um pouco de sua vida durante este período.
Nascido em São Paulo em 13 de Novembro de 1959, Sérgio de Lima, 58 anos, Técnico em Eletrotécnica, conta um pouco sobre sua vida em subestações de energia. O interesse na área elétrica surgiu por volta do meio da década de 70, mais precisamente em 1974, sobre a influência de sua mãe Dona Olga, pois seu pai José Caciano de Lima, feirante, queria que o menino seguisse a mesma carreira, mas Dona Olga era uma mulher visionária, a frente de seu tempo, como ela mesmo disse “A feira vai acabar, porque vai ter supermercado, então você precisa estudar para ser engenheiro”, e ela estava correta, pois principalmente os hipermercados tiveram sua popularização no Brasil no decorrer dos anos 80.
Sérgio cursou Eletrotécnica na atual ETEC Rocha Mendes localizada na Vila Prudente, surge o questionamento sobre faculdade com a resposta pronta de Sérgio “Como eu tinha que trabalhar todos os dias, ou seja, eu tinha quer ficar full-time como técnico na subestação, o responsável pelo meu setor não admitia que ficasse estudando, se quisesse estudar engenharia, teria que mudar de setor”. Começou a trabalhar como estagiário na Light, atual Eletropaulo, em 22 de março de 1977, dia mundial da água, ele brinca com a coincidência “Talvez, fosse melhor se eu tivesse trabalhado na Sabesp”. Um ano depois passou para outro estágio, ainda dentro da Eletropaulo, desta vez, no setor de construção de subestações, graças à abertura de vagas que surgiram devido a um esquema de falsificação das notas que ele chama de Nota fiscal do almoço. Este fato chamou a atenção do repórter e peço-lhe que me dê mais detalhes sobre o assunto, “A nota fiscal é o seguinte: o pessoal chegava, por exemplo, eles pegavam uma nota no valor de 10 reais e como não tinha limite o pessoal botava 100, houve uma sindicância e muita gente perdeu o emprego. Eu só entrei na Eletropaulo por causa disso”, finaliza, esfregando o relógio Cássio em seu pulso.
Trabalhou durante 23 anos na Eletropaulo em um período correspondente de 1977 a 2000, como na Eletropaulo existe o contrato de periculosidade, isso aumentava o seu tempo de trabalho em 25 por cento seguindo está lógica o resultado se aproximava em torno de 30 anos trabalhado, então, para não ser demitido, Sérgio entrou com o pedido de aposentadoria, tanto que acabou se aposentado com 40 anos de idade o que é, para o próprio, um absurdo, ele se defende dizendo que a situação o obrigou a tomar este tipo de atitude.
Sobre os perigos de se trabalhar em subestações, Sérgio é direto. “Vi gente morrer na minha frente”, segundo levantamento do site O Setor Elétrico, em 2011, foram 209 casos registrados de acidentes por choque elétrico seguidos de morte, sendo 11 por cento no setor industrial. “O trabalho que eu realizava, era perigoso”. Em 1978, ou seja, pouco tempo depois de entrar na Eletropaulo, Sérgio estava trabalhando no final de semana, desligou a subestação Comandante Telha localizada no Ipiranga, bairro típico paulistano, ele e sua equipe estavam trabalhando em um poste comum de rua, nestes postes existem vários circuitos que passam ao mesmo tempo, segundo Sérgio, esqueceram ou houve uma falha, e um destes circuitos continuou ligado e um de seus companheiros subiu no poste, foi quando um barulho foi ouvido, depois só olharam para cima e viram o seu colega caído, ainda pendurado pelo cinto, obviamente o serviço foi cancelado, porém trocou toda a equipe que estava trabalhando no local e o serviço continuou normalmente como se nada tivesse acontecido.
“A Eletricidade é algo muito perigoso, pois ela não tem cor, não tem cheiro, e não tem som, então se você não tem o controle da situação acidentes irão acontecer, essa é a parte triste do negócio”. Apesar da maioria dos acidentes com eletricidade serem fatais, Sérgio vivenciou alguns casos engraçados. Em uma subestação chamada Ponte Preta, novamente, Sérgio estava trabalhando quando um transformador pegou fogo, havia próximo a este transformador uma parede com 3 metros de altura aproximadamente, um dos homens que estava próximo ao local conseguiu pular o muro, ninguém sabe como ele conseguiu, Sérgio comenta, dando risadas, que talvez graças a adrenalina e o medo gerado pela situação de perigo ele possa ter escapado, ainda sobre este mesmo episódio fugiram e correram para dentro da casa, mas quando chegaram dentro, estava pegando fogo também. “Não sabíamos para onde correr, logo depois chegaram os bombeiros”. Resultado pegou fogo no transformador, na casa e na subestação, mas felizmente dessa vez ninguém se feriu gravemente.
Apesar de presenciar de perto algumas mortes em subestações, nenhuma delas o afetou tanto quanto as mortes de dois de seus amigos de início na empresa a quem ele chama de Guedes e Ângelo, quando começa a relembrar o fato, seus olhos começam a brilhar, talvez pelos bons momentos vividos com os amigos. Sérgio explica que eles faziam parte da equipe de proteção dos painéis das subestações, ou seja, eles executavam os serviços a partir de relés eletromecânicos enquanto que Sérgio era da parte de construção dos mesmos. Quando a equipe de Sérgio terminava a montagem do painel a equipe liderada por Guedes chegava para a finalização, surgiu uma amizade que teria o seu fim em um trágico acidente. Em uma subestação localizada na região do Jaguaré, eles foram realizar um serviço e desligaram um circuito, mas fizeram isso pela frente do painel para este tipo de procedimento o que eles deveriam ter feito era ter aberto o painel por trás, um arco-voltaico formou-se atingindo os dois. Até o seu falecimento, Guedes permaneceu na UTI do hospital por 7 dias e Ângelo permaneceu vivo durante 30 dias, mas acabou não resistindo às queimaduras de terceiro grau por toda a extensão de seu corpo. “O Ângelo ficou mais de um mês, sofrendo queimado, eu não tive coragem de ir visitá-lo, mas quem viu disse que foi terrível”, diz, com a voz um pouco trêmula devido à emoção.
No auge da Copa do Mundo do México em 1986, Sérgio estava trabalhando em uma empreiteira exatamente na hora do jogo entre Brasil e França, válido pelas quartas de finais, o time comandado pelo treinador Telê-Santana em que tinha como principais jogadores, craques como: Leão, Sócrates, Zico, Careca, Branco e Júnior. “Todos preocupados se iríamos desligar a subestação durante a partida, o operador, na hora dos pênaltis, chegou e falou para que todos nós descêssemos, porque não dava para trabalhar e escutar o jogo ao mesmo tempo em uma altura entre 5 e 10 metros, ficamos todos dentro da sala do operador e então o Brasil perdeu e voltamos à trabalhar emputecidos”, diz isso, com um sorriso perene ao lembrar da situação. Poucas pessoas sabem, mas é durante um intervalo de uma partida de futebol da seleção brasileira, principalmente, durante o período da Copa do Mundo, que se consome mais energia elétrica, pois é o momento em que milhões de eletrodomésticos são ligados, enquanto a população comum come churrasco e bebe cerveja, pessoas como o Sérgio são os responsáveis por manter o Galvão Bueno na telinha de seu aparelho de TV.
Outras causas de acidentes em obras naquela época eram causadas pela questão do alcoolismo. “Na época em que entrei na Eletropaulo, o índice de alcoolismo era muito alto, nego vinha trabalhar bêbado, absolutamente travado”. Sérgio conta quem em 1983, com a chegada de um novo supervisor, chamado Luís, o combate ao alcoolismo ficou mais rígido, mas os operários eram espertos e usavam de um artifício para tentar enganar o novo chefe, eles paravam os seus afazeres, entravam em uma casa, abriam o contêiner e voltavam para as suas tarefas, Sérgio, averiguando o contêiner, encontrou o óbvio bebidas alcoólicas, comunicou ao supervisor que imediatamente substituiu as bebidas por água e ficaram esperando os trabalhadores voltarem à casa para caírem na armadilha. Resultado foi chamado o encarregado da obra e este foi quem pagou o pato pela malandragem dos operários.
“O que a Eletropaulo teve de pagar de tratamento para seus empregados alcoólatras foi uma fortuna, pois era muita gente, tentava convencer o pessoal a parar, mas o vício era mais forte”, finaliza, lamentado a morte de um de seus amigos justamente por cirrose. No início dos anos 90, quando o problema do alcoolismo foi diminuindo na Eletropaulo, outro problema apareceu, as drogas. “As drogas não eram usadas pelos encarregados, pelo pessoal de campo eram pessoal do escritório, hoje o crack é muito barato, mas na minha época ele era muito caro”. As pessoas usavam as drogas, principalmente, nos banheiros ao ponto do chefe da manutenção ter que pedir um basta, pois o banheiro estava impregnado com o cheiro de maconha e de crack. “Nesta época, a Eletropaulo era uma mãe, pois botava os caras em clinicas duas ou três vezes e ainda sim os caras tiravam sarro de nós, é mole?”
Em determinada ocasião, no dia dos namorados, Sérgio precisava vistoriar uma obra no Jaguaré, o trabalho era relativamente simples, então prometeu à sua mulher que voltaria às duas da tarde. Mas, na subestação, tudo deu errado. Os disjuntores não ligavam, as chaves seccionadoras não funcionavam fazendo com que o Sérgio chegasse em casa somente às dez da noite, sua mulher tinha preparado um almoço especial de dia dos namorados, ela o olhou friamente e somente disse que a comida estava no fogão e que se quisesse comer, ele que fosse esquentá-la e foi dormir. “Eu aprendi uma valiosa lição neste dia, não marco mais nada em datas comemorativas, pois o trabalho em uma subestação é perigoso, mas nada é mais perigoso do que minha mulher Madalena com raiva” diz, com uma risada estridente.